No célebre Sermão do Monte, Jesus mostrou, de forma eloquente, que o reino de Deus é um reino de ponta-cabeça. A pirâmide está invertida. Feliz é aquele que nada ostenta diante de Deus e ainda chora pelos seus pecados. Feliz é aquele que abre mão dos seus direitos em vez de oprimir o fraco para reivindicar até direitos que não tem. Feliz é o que abre sua mão ao necessitado e não o que explora para enriquecer-se. Feliz é o que constrói pontes de contato entre as pessoas e não aquele que cava abismos de inimizades entre as pessoas. Feliz é o que ama e pratica a justiça e não aquele que usa as filagranas da lei para auferir vantagens próprias. Feliz é aquele que busca a santidade e não aquele que rasga a cara em ruidosas gargalhadas carregadas de lascívia. No reino de Deus ser perseguido por causa da justiça é melhor do que fazer injustiça e pousar de benemérito da sociedade.
A ética do reino de Deus não afrouxa as exigências da lei para render-se à licenciosidade sem freios. Se nos reinos do mundo, o forte prevalece sobre o fraco e o poder da vingança esmaga até os inocentes, no reino de Deus, o perdão é maior do que a vingança e a busca da reconciliação é melhor do que a vitória num tribunal. Nos reinos do mundo, os homens se satisfazem com as ações certas sob a investigação da lei; no reino de Deus, até mesmo as motivações do coração são contadas. Odiar alguém é matá-lo no coração; olhar para uma mulher com intenção impura é adulterar com ela. Se os tribunais da terra só podem julgar palavras e ações, no reino de Deus, o tribunal divino julga até mesmo as intenções.
Na ética do mundo, o casamento está cada vez mais enfraquecido e o divórcio, cada vez mais robusto. No reino de Deus, divorciar-se por qualquer motivo é entrar pelos corredores escuros do adultério e arruinar não apenas a própria vida, mas também a família. Na ética do mundo, o sexo tornou-se banal e promíscuo. Toda sorte de aberrações sexuais é aplaudida e incentivada; mas, no reino de Deus, exige-se a pureza no coração e a fidelidade nos relacionamentos.
Na ética do mundo, a espiritualidade é uma encenação na passarela da vaidade. Os homens são aplaudidos por aquilo que aparentam ser e não pelo que de fato são. No reino de Deus, a espiritualidade verdadeira não busca holofotes nem aplauso dos homens, porque visa exclusivamente agradar a Deus, que tudo vê em secreto e a todos sonda. Na ética do mundo, os homens julgam temerariamente e, ao mesmo tempo em que expõem os pecados do próximo, promovem a si mesmos. No reino de Deus, o indivíduo é rigoroso ao tratar seus próprios pecados, mas é compassivo para lidar com os pecados do próximo.
Na ética do mundo, ser grande é acumular riquezas na terra, construir impérios financeiros e ostentar poder econômico. No reino de Deus, ser rico é ajuntar tesouros no céu, onde os ladrões não roubam nem a traça e a ferrugem corroem. Nos reinos do mundo, os homens vivem ansiosos pelas coisas que perecem, enquanto os filhos de Deus buscam em primeiro lugar o reino de Deus, que é eterno. No ética do mundo, os falsos profetas são tidos em alta conta e recebem dos homens todo prestígio e acolhida. Mas, para os filhos do reino, eles são falsos ministros, que pregam um falso evangelho, produzindo falsos crentes.
Na ética do mundo, o que importa é aparência. Por isso a insensatez prevalece. Os homens escutam a verdade, mas não a colocam em prática. Constroem sua casa sobre a areia, para vê-la desmoronar na chegada da tempestade. No reino de Deus não basta ouvir ou conhecer, é preciso praticar. Não basta construir sua casa, é preciso construí-la sobre a rocha. Não basta ter uma casa segura aos olhos dos homens, é preciso que essa casa permaneça inabalável diante das tempestades da vida.
O reino de Deus está em oposição aos reinos deste mundo. Os reinos deste mundo são aplaudidos agora, mas entrarão em colapso depois. Ostentam sua riqueza agora, mas depois ficarão completamente desamparados. Drapejam suas bandeiras de sucesso agora, mas serão cobertos de opróbrio na manifestação de nosso glorioso Redentor. Então, todos os reinos deste mundo passarão, mas o reino de Cristo, mesmo sendo agora um reino de ponta-cabeça, jamais findará.
:: Hernandes Dias Lopes